28 outubro 2014

Greystones


Lá estava eu correndo pelas ruas de Dublin para chegar à minha primeira entrevista de emprego. Um lugarzinho bem afastado do centro, perto do mar. Meu primeiro espanto: o valor da passagem. Cinco euros e setenta cents só de ida, um valor bem "salgado" para transportes em Dublin. Mas fui assim mesmo! Meu coração bateia acelerado, minhas mãos estavam geladas e meu pensamento estava a mil por hora. Sentei-me na janela e  medida de que o Dart (espécie de metrô) seguia caminho meu coração foi desacelerando diante do que meus olhos presenciavam. Uma paisagem linda cheia de verde, mar e casinhas tipicamente irlandesas - totalmente diferente da região central de Dublin. Eram lugares que dava vontade de morar só de olhar, pareciam espaços que facilmente poderia chamar de lar. Senti-me na Irlanda pela primeira vez! 
O nervosismo esvaiu-se e meu coração encheu-se de esperança e fé. Naquele momento eu soubera que não moraria em Dublin por muito tempo.Aqui não há como prever, mas se depender do meu coração eu não fico nessa cidade não.
A mulher que me recebera foi extremamente amável desde a primeira mensagem até o último segundo do nosso encontro. Seus olhos eram bondosos, eu podia sentir. Eles eram o tipo de família que eu gostaria de conviver. A distância não me permitiria ficar pelas obrigações com a escola, mas um pedacinho do meu coração ficou naquele lugar chamado Greystones.

Intercambio na Europa: Nem tudo são flores.


A primeira coisa que as pessoas pensam quando você diz que vai fazer intercambio na Europa:
1 - Rica
2 - Vai curtir a vida adoidado
3 - Tá com a vida ganha

Apenas uma informação para vocês: Nenhuma das alternativas acima.
Sim, nós sonhamos muito tempo com um intercâmbio. Entretanto, não significa que na realidade ele seja um sonho. Tudo bem, existe muita gente com um excelente poder aquisitivo (leia-se, gente rica) que vai fazer intercambio sem passar sufoco. Mas não é desses que eu venho falar.
Eu venho contar a história daqueles que, assim como eu, não tem pais ricos ou uma conta gorda no banco.
Eu faço parte daquele grupo cujos pais (ou a pessoa mediante muito trabalho e esforço) teve que fazer "das tripas coração" para conseguir juntar dinheiro para pelo menos te colocar fora do país. Ou seja, para se manter lá fora você precisa trabalhar muito. Isso se você quiser, no mínimo, comer e ter lugar para morar. Muitos até podem me julgar por eu ter 21 anos, morar com a minha família e SÓ estudar (como se fazer graduação em universidade pública + curso de inglês todos os dias fosse fácil). Mas meu caminho sou eu quem trilho e ninguém tem nada a ver com isso. Ponto final.
Há algum tempo senti a necessidade de buscar a minha independência financeira e principalmente emocional. Queria o grande desafio de sair da zona de conforto e me lançar no desconhecido. Porque quando tu estás de fato sozinho  é que tens mais chance de entrar em contato contigo mesmo. É claro que nem todo mundo está disposto a isso. Existem várias saídas independente da distância que você esteja de casa. Muito depende da vontade e isso é uma coisa que eu tenho de sobra.
Vontade de me libertar das amarras que eu mesma e o Outro colocaram em volta de mim. 
Vontade de mergulhar profundamente em meu âmago.
Vontade de ir além do que se vê, se sentir medo e aprender a conviver com ele, de reconhecer minhas fraquezas e aceitar que eu não preciso ser forte o tempo todo, de sentir saudade e aprender que a distancia não é nada para aqueles que verdadeiramente se amam, de desapegar de tudo que é material e que nunca nos pertenceu ou pertencerá, de me conectar com Deus de forma muito mais profunda e intensa - já que Ele é o meu melhor amigo onde quer que eu esteja. Intercambio não é fácil. Requer desprendimento e muita coragem de se jogar no vazio. Você vai para um lugar a milhões de km de distância da sua casa, não conhece nada nem ninguém, onde as pessoas não falam a tua língua materna, onde tu vai ter que matar um dois leões por dia para conseguir uma casa pra morar e um emprego pra se sustentar. Vai ter que morar numa casa com gente que tu não conhece, com a possibilidade de se dar bem ou não, e por aí vai.
Intercambio é incerteza. E como o que normalmente nós desejamos é a estabilidade, sofremos por um bom tempo. Alguns mais, outros menos. Até que você não lute mais contra as sensações que apavoram e deixe-as ir e vir como uma onda no mar.
Eu, com minhas singelas 3 semanas na Irlanda, ainda estou na fase do: fica feliz - fica apavorado, fica feliz - fica apavorado, fica feliz - fica apavorado (Chicó e João Grilo que me entendem). Tudo é muito intenso e existe uma avalanche de sentimentos invadindo a todo momento. É uma verdadeira montanha russa constante. Tem que ter estômago! 
No momento que passa a euforia inicial e você se percebe sem uma casa pra morar é desesperador. Não desejo esse sentimento a ninguém. Mas confesso que isso me fez mais humana, a sentir profundamente muito mais compaixão pelo meu próximo - pensei naquelas pessoas que nunca tiveram um lar aconchegante e chorei copiosamente. Muito mais por elas do que por mim. Quando você percebe que em muito pouco tempo não vai ter dinheiro pra viver (nem morar, nem comer) bate um desespero e você anda zilhões de milhas em busca de trabalho, faça sol ou faça chuva. Aprende a levar não e continuar de cabeça erguida.
Existem também aqueles momentos que a saudade aperta e quase sufoca, que se junta a milhões de outros estímulos externos e te coloca pra baixo. Aí meu amigo, você chora.
Mas mesmo diante de tantas coisas difíceis existem as flores pelo caminho: literalmente e metaforicamente. Dublin é uma cidade cheia de flores por todos os lados, das mais variadas espécies e cores. É um constante deleite para os olhos.
Existem também as grandes amizades que fazemos - as flores metafóricas. Você acaba construindo amigos verdadeiros que em pouco tempo se tornam tua família e estão do teu lado pro que der e vier. Você tem a quem abraçar quando o bicho pegar, tem com quem compartilhar as alegrias e tristezas, com quem fazer um almoço brasileiro num domingo que bater a saudade de casa e ter aquela conversa na mesa da cozinha, depois de um dia cansativo.
No intercambio nem tudo são flores, mas tudo é uma conquista, um aprendizado que se eterniza todos os dias para todo o sempre e que te leva pra mais perto de ti. É também a certeza que nós nunca estaremos desamparados pelo nosso Pai soberanamente justo e bom. É sístole e diástole. É desencontro e (re)encontro. É a transformação da lagarta em borboleta prestes a sair do casulo.

Dublin, 24 de setembro de 2014 (Quase um mês de Irlanda)

Dublin rechaça, mas abraça.


Nos primeiros dias que você passa nessa cidade cosmopolita é só alegria. Música para todos os lados, tour pelos pubs mais badalados, visita aos parques famosos etc. Você ainda é um turista. Até aí a idade é linda e maravilhosa. Até que o tempo vai passando e aquilo tudo que era novidade, supra sumo vai virando rotina. E é no dia a dia que a gente realmente passa a conhecer algo ou alguém. A beleza continua lá, mas outras coisas vão aparecendo. Existe aquela carie escondida no dente lá de trás que você passa um tempão sem perceber até que um dia tu olhe minuciosamente e a descubra.
O centro de dublin é a própria carie. Impressionei-me com a quantidade de lixo (e por vezes vômito) que vi nas runas do centro às 3 horas da manhã. Cheguei a pensar que estava na Avenida Dantas barreto no Recife. Ao contrário do que muitos pensam: nem tudo são flores. E sim, há flores em todo canto da cidade! Quando a gente chega nos lugares mais afastados, nossos olhos brilham.
Eu costumo Dublin esta sempre evocando sentimentos opostos: Ao mesmo tempo que encanta, desencanta. Ao mesmo tempo que faz sol, chove. Ao mesmo tempo que te abraça, te rechaça. 

Dublin, 24 de Setembro de 2014

Respeito


Eu choro por profundo respeito a mim mesma, por me dar o direito de deixar o sentimento ir e vir como uma onda no mar. Eu choro porque tenho saudade de casa e por sentir que aqui ainda não constitui um lar. Mas irei! Um dia me disseram que o lar não se constitui de paredes de concreto e um teto. Ele se faz pelo coração, naquele lugar (que nem precisa ser físico) o qual nos sentimos aconchegados, onde você sempre se sente abraçado. Eu choro por essa dor no peito, essa angustia que sufoca apenas por não ter um lugar fixo para ancorar. Agora sou cidadã do mundo e ainda passarei muito tempo a navegar. Então eu choro, para que meu pranto lave minha alma e para que por dentro eu não possa me afogar.

Dublin, Setembro de 2014.

Porto seguro (à Maria Betania)


Ainda me lembro quando ainda nem tinha o corpo todo formado, mas já habitava o teu ventre. Era um lugar aconchegante, quentinho como uma tarde de verão. Sentia tuas mãos nas paredes do meu quarto e parecia que estava à beira da lareira no inverno. Ouvia tua  voz e meu coração saltitava como uma gazela de tanta emoção. Aos poucos fui crescendo e meu quarto diminuindo, tanto que me levava a chutar aquelas paredes em busca de maior conforto.
Em teu ventre foi a primeira vez que senti ter um lar.
Mas, como nem tudo é permanente, um dia tive que sair para outros ares respirar. Lembro-me bem que foi um choque! Saí do meu cafofo para uma sala gelada, cheia de luz e objetos estranhos. Chorei desesperadamente em busca de algo que me faltava: o ar.
A segunda vez que me senti em casa foi quando deitei em teus braços e alimentei-me de teu seio.
Teus braços me aconchegavam como se eu estivesse deitada nas nuvens. Sentia novamente o calor e o aconchego do meu lar. Foi então que chegou o dia de ir pra outro espaço que era Aberto e lá encontrei outro cantinho para me aconchegar. 
Fui crescendo, desabrochando para a vida e construindo muitos outros afetos. E por mais que fosse enveredando pelo mundo, sempre chegava a hora de voltar e nos teus braços me aconchegar.
Parti para terras distantes...
Bateu uma sensação de solidão, como se tivesse num navio a vagar sem poder para o seu porto voltar. Era como se não existisse uma âncora, somente um barco a navegar na imensidão do mar. Rogo a Deus que tome conta do meu leme, até chegar o dia em que finalmente eu possa aportar. Sigo de peito aberto com a esperança de muitos portos desbravar. As tempestades estão chegando (vindo de fora e de dentro), mas eu hei de enfrentar e uma grande marinheira me tornar. Deus, Pai, é a tua luz que me guia. Por favor, não deixa eu me afogar.

Dublin, 17 de Setembro de 2014.

27 outubro 2014

Uma paixão à primeira vista


Quando a vi pela primeira vez meu coração disparou. Olhava fotos nas redes sociais quase todos os dias e só queria saber de conversar sobre ela com as minhas amigas. Me sentia como uma menina de catorze, quinze anos outra vez! A cada foto nova minhas mãos suavam, ficavam geladas, sentia uma frio na barriga, uma euforia sem tamanho.
Não podia ouvir seu nome que meus olhos brilhavam e eu suspirava. Até que um dia soube que iria conhecê-la pessoalmente... Foi como se meu mundo inteiro estremecesse e virasse de ponta a cabeça, mal podia acreditar em minha sorte! Contaria um ano até poder vê-la cara a cara e assim o fiz. Contei os dias ansiosamente. Me alimentava com a esperança desse encontro, e nos dias frios e tempestuosos era a minha luz no fim do túnel. Quando dava vontade de chutar o pau da barraca eu pensava nela com todas as minhas forças e meu coração se alegrava. O tempo foi passando tão rápido que eu nem percebi. Quando dei-me conta só faltava um dia (mais um de viagem) para o grande encontro. De repente senti uma calmaria, uma onda de tranquilidade que me acompanhou durante todo o longo trajeto... Foi quando finalmente saí da sala de embarque e a vi pela janela. O ceu estava nublado e a mudança de temperatura já era notável. Mas não havia frio que dominasse o calor que eu trazia por dentro. Assim que pegamos a estrada, ela sorriu para mim e meu coração se derreteu completamente. Minhas pernas fiaram bambas, meu coração era quase taquicardia e meu sorriso faria o mundo inteiro querer sorrir. Não demorou muito para que eu chegasse ao seu coração e me encantasse mais inda. Tudo que eu desejava era explorar cada parte de seu corpo e descobrir cada detalhe de sua história - sobre os encantos e desencantos que a vida te proporciona. 
No segundo dia ela surpreendeu-me com um sol imponente que me fez sentir em casa, em cada lugar havia uma trilha sonora que contava a sua história e já estava constituindo a minha também. Me sentia num filme a todo momento e nem imaginava que podia sentir-me assim outra vez. Aliás, nem trata-se de reviver algo. É completamente novo e inexplicável com a riqueza de detalhes que isso me traz. Eu me sentia renovada e meu coração era só felicidade. 
Irlanda meu amor, apaixonei-me por ti desde a primeira vez que te vi.

Musicalidade


Desde a primeira pisada nas ruas de Dublin senti o cheiro de musicalidade no ar.
A cidade apresenta-se com uma certa mistura de serenidade e agitação. A maioria das construções são antigas e contam suas histórias para milhares de residentes e turistas do mundo inteiro, todos os dias. As paredes e ruelas falam. Sussurram a trajetória daqueles que já se foram e dos que irão chegar. São muitas vozes e cores, cheiros e sabores. Entretanto, o que mais me chamou a atenção foi a sensação de ter uma trilha sonora onde quer que eu estivesse. A música está em todo lugar e faz você se apaixonar todos os dias por ondas sonoras vibrando diferentemente em seu aparelho auditivo. Quase consigo ouvir uma orquestra quando estou no centro do centro. Ainda mais: fecho meus olhos  delicadamente e apenas sinto  todas as vibrações que se  tonam uma só melodia. Seja rock, clássico, pop ou regional, toda música que aqui eu ouço me toca, faz minh'alma transbordar de regozijo. Essa trilha me faz sonhar, levitar a cada nota e a cada passo que a acompanha.
É liberdade plena! É manifestação e valorização que vai além de coisas que são muito importantes para as pessoas hoje em dia como o "ter". Eu não preciso possuir a música para aparentar algo que não sou frente o 'grande outro' social. Escuto a melodia, sinto-a em meu âmago, flutuo e me propago pelo ar junto com ela, até chegar o momento em que ela vai embora e eu me permito ser contagiada por outra melodia que encontrar pelo caminho. Ela não é apenas um objeto, um entretenimento. A música está viva e também conta a história de uma cidade, um povo, um sentimento... Ela nos conta muito mais do que as vezes somos capazes de perceber.
Senti a música em cada célula no meu corpo e agora meu coração canta de felicidade.
Ah, como é bom ter a trilha sonora do filme da vida.


Dublin, 8 de Setembro de 2014