26 janeiro 2015

Das flores metafóricas: Nicole Horn

Foto: Paolo D'Ettorre

Tinha cabelos da cor das folhas de outono e seu rosto transparecia tranquilidade. Por trás da pele branca com algumas pinceladas alaranjadas (do jeito que o ceu fica na hora do pôr do sol) habitava mulher sagaz, cheia de sensibilidade. O sorriso era meio acanhado, discreto, como de quem chega de mansinho, vai se alojando (como quem não quer nada) e quando você viu: criou raiz. Cheia de gracejo atravessou um oceano repleto de sonhos, expectativas e vontades. Abriu as asas e voou para longe de São Bernardo para viver uma das maiores aventuras de sua vida. Suas lentes, praticamente um terceiro olho, captaram a essência de lugares e pessoas. Aliás, foram capazes de captar sentimento. A menina de cabelos de outono transcendeu com sua arte em sua passagem pela Ilha esmeralda. O jeito Nicole de ser me cativou de forma que sua ausência já é sentida em mim. Deixou saudade ao embarcar de volta pra São Bernardo cheia de bagagem (imaterial) e amor conquistado. Ela saiu do apartamento 68 ainda com lágrimas nos olhos, mas com a certeza que era hora de alçar voo outra vez.

16 janeiro 2015

Das flores metafóricas: Apartamento 68


68, Greeg Court, Parnell Street - Dublin 1 - Ireland.
Esse foi o meu primeiro (de alguns) endereço(s) na Irlanda e lá encontrei meus primeiros afetos. Pessoas transbordando amor e cheias de arte correndo pelas veias, cada um com seu jeitinho particular. Lugar grande, mas aconchegante. Cheio de história pra contar daqueles que estavam apenas no comecinho da jornada. Paredes impregnadas de sonhos, desejos, ambições, olhares e outras coisas as quais eu prefiro nem comentar. A libido corre solta por lá também: sentou no sofá, corre risco de engravidar.
Primeiro veio Nathália Prado com sua poesia que guia e encanta a todos que a acompanham (muitas delas foram construídas lá). Depois vieram as fotógrafas Camila Cicolo e Nicole Horn, as quais capturaram momentos dentro e fora que serão imortalizados para sempre em nossas memórias.
Nicole com seu jeito simples e singular de ver através das lentes me encantou. A menina tem doçura até falando palavrão!
Camila com seus olhos cheio de brilho e sorriso de criança que não cessa de ser feliz, me abraçou e ficou.
Pouco tempo depois chegou a Luisa Montechiari - meia hora de conversa já foi o suficiente para nos aproximarmos e descobrirmos o tanto de afinidade que tínhamos com a carioca que mais parecia Irlandesa. Era professora de filosofia e artes, além de Chef nas horas vagas. Ela pegou todo mundo pelo bucho com sua deliciosa culinária e foi (é) responsável pelos almoços e jantares da nossa família em formação.
Em algum momento chegou a Vanessa Amorim também, mas eu já não morava mais na casa e acabei conhecendo-a em uma dessas comilanças que costumávamos agendar. Essa é daquelas que (só) observa!
Foi então que chegaram  os meninos: Emery Augusto e Marcelo Vieira. Eles trouxeram mais musicalidade e risadas para o aconchego do lar. Cheios de sensibilidade e piadas prontas, completaram a parte que ainda faltava.
E foi assim que surgiu a família 68.
Como toda boa família brasileira nos nos reunimos na mesa da cozinha para conversar horas a fio sobre tudo e sobre nada. As vezes acontecem os desencontros e desajustes, rola aquela intervenção e depois acabamos fazendo aquele almoço de Domingo para reconciliação. Compartilhamos nossas histórias de vida, alegrias, dores e abraçamos uns aos outros. São aquelas pessoas que apesar de todos os pesares estão ali por você.
Cada um do seu jeitinho chegou e ficou. Seja na Irlanda, no Brasil ou em qualquer lugar do mundo: eles já fazem morada no meu coração. 

A flor e o vento


E eu que pensei que nunca escreveria assim com tanta voracidade... Minh'alma nua, exibindo as curvas de meu âmago clama pelo renascer. Em uma de minhas viagens pelo mundo afora avistei à beira do penhasco uma pequena flor em meio a gigantescas estruturas rochosas. Só pedra e do outro lado a imensidão do vazio. Estava ela em uma posição que denotava tentativa incessante de escapulir (ou quem sabe só estaria dançando?). Mas como se atrevia uma flor tão pequenina querer pegar carona no vento que cantarolava entre as fendas do grande penhasco? Mal podia ela se manter estável diante de tamanha grandiosidade. A franzina flor cheia de ousadia fizera de sua vida a organização de uma grande fuga, pois seu sonho era voar. 
Sentei-me à beira do penhasco e a observei por um longo tempo a farfalhar de um lado para o outro. Ela me encarou como quem implorava pelo meu auxílio, mas eu não entendia o que ela falava. O barulho do vento era ensurdecedor. Foi então que olhei mais atentamente  e se flores tivessem olhos eu os estaria encarando naquele momento. Eu vi sua alma, nua também. Levantei-me devagar, sentindo os ossos estalando, e afastei algumas pedras com os pés ainda dormentes. A flor me sorriu quando finalmente pôde voar com o sussurro do vento. Eu sorri junto e senti uma paz profunda ao perceber no outro a liberdade em sua mais plena forma. Eu queria ser livre também, então dancei à beira do penhasco e à beira de mim.
Voei.

13 janeiro 2015

Olhos de ver


Dia desses um estranho veio me perguntar quais tinham sido as minhas resoluções para o ano novo. Eu pensei um pouco e vi que pela primeira vez eu não fechei os olhos e pedi alguma coisa na virada do novo ano que se aprochegava. Durante muitos anos, nesse momento, eu implorava ao universo que me levasse direto para a realização do grande sonho de morar ou (ao menos) conhecer a Inglaterra (mais especificamente, Londres). Desta vez não o fiz. Não porque já tenha alcançado essa graça (como diz a minha avó), mas porque eu estou vivendo o meu grande sonho, mesmo ele não sendo no lugar que eu esperava, e mesmo que não esteja acontecendo do jeito que eu imaginava. Então, não pedi nada. Só agradeci com os olhos arregalados diante de todas aquelas luzes coloridas a tomar conta do céu. 
Passei mais um tempo refletindo e pensei que o que eu preciso mesmo é continuar o trabalho de (re)encontro comigo mesma. Exercitar o "olhar com olhos de ver": ver todas as situações com olhos serenos e sorridentes, tendo a certeza de que nada é por acaso e que tudo é crescimento. Não se deixar levar pela onda de negatividade que assola tanta gente nesse mundo afora, porque se permitir entrar, acaba se tornando um poço sem fundo. É olhar com os olhos de indulgência para comigo e com o outro. E assim seguir tranquila, mesmo quando "o bicho tá pegando". Estar em paz consigo mesmo. Desejo isso pra mim e para você. E muita, muita, muita coragem! 
Coragem de se permitir, de lutar e as vezes até de aceitar. Coragem de se aceitar como tu es, cheio de manias, luz e sombras. Coragem pra mudar aquilo que não mais te apraz, mas se isso partir de ti e não do outro. Coragem pra sorrir , mesmo quando é inverno. E coragem pra ficar triste, mesmo se for verão. Coragem de ser só e gostar da própria companhia. Coragem de ser, cheio de pontos, virgulas, exclamações, reticências... Coragem de se jogar ao sabor do vento, de seguir por um caminho e tomar outro se aquele não te fez bem. Coragem de gritar, de ser feliz, de amar (pois só o amor te libertará). Coragem de ter coragem! Avante amigos, que é chegada a nossa hora ( e faz tempo!)... Só é preciso termos olhos de ver.